Contos de John Freelancer: "O Último Homem Livre"
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  • Foto do escritorLeo Ridire

John Freelancer em "O Último Homem Livre"



Planeta alienígena de Pikex


“Como toda sociedade já vista, a civilização galáctica humana nasceu, encontrou seu apogeu, prosperou e depois declinou, deixando diversas colônias espalhadas e segregadas por toda a Via Láctea. Este era o caso do exoplaneta Pikex, localizado nos confins da galáxia, um lugar que foi esquecido por todos fora daquele sistema estrelar e um lugar que esqueceu a todos em seus milênios de isolamento...”




Cidade de Roxfot ao longe


Pikex era um planeta com continentes amplos e oceanos vastos, podendo ser até dez vezes maior do que o planeta natal da raça humana, contendo os mais diferentes biomas e fracionado em mais de mil países.

No continente central, chamado de Azon, havia o gigantesco deserto de Ultun aonde só iam os páreas, os fugitivos, os desprezados e os freelancers em busca de trabalho que nem sempre era honesto.

Nas margens do oásis de Roxfot nasceu uma cidade de mesmo nome que era cercada por muros amarelados feito com pedras arenosas, mas que em seu interior misturava o arcaico com o tecnológico de forma surpreendente. Aquela era uma cidade central na região, onde alguém com dinheiro suficiente poderia contratar gente para todo tipo de trabalho.

Uma mulher jovem com cabelos vermelhos presos em um curto rabo de cavalo, trajando roupas que pareciam boas demais para aquele lugar, cruzou as portinholas duplas de um bar cuja iluminação era pouco mais que a penumbra, repleto de mesas quadrangulares e um longo balcão. Ela logo focou seus olhos castanhos no bartender que era um tipo de criatura insectóide com quatro braços e pouca coisa maior do que um ser humano.

A raça dos nellung contava com uma carapaça quitinosa que adquiria tons cinzentos, além de longas antenas que, na realidade, eram seus narizes e uma dezena de olhos extremamente negros que focavam na recém-chegada.

            - No que posso ajudar? – Indagou o dono do bar com um sotaque engraçado e um ar desinteressado e enquanto seus dois braços superiores limpavam um copo por cima do balcão, o outro par agarrava silenciosamente uma escopeta que estava escondida abaixo dele.

            - Estou contratando. – Afirmou a mulher colocando sobre a mesa um chip de créditos ao portador que era a taxa para poder fazer negócios naquele lugar.

            - Está sem sorte, moça. – Disse a criatura soltando a escopeta embaixo do balcão e usando um de seus braços inferiores para empurrar o chip de volta a sua interlocutora. – Não há freelancers aqui hoje.

            - E aquele cara lá? – Questionou a recém-chegada franzindo as sobrancelhas.

            O rapaz que ela apontava era a única pessoa no bar além dela, sendo um homem que parecia estar na faixa dos seus trinta anos, sendo pouco mais alto que a média e possuindo ombros largos e um físico atlético. Os cabelos eram curtos e a barba por fazer e, fora isso, não havia nenhum sinal que o distinguisse de outra pessoa, tendo como marcante em sua aparência apenas um longo sobretudo preto que parecia surrado demais após passar alguns dias no deserto e os óculos escuros de armação arredondada e lente reflexiva que escondiam completamente seus olhos.

            - Ele não é um freelancer, é só um coitado. – Resmungou o bartender encolhendo seus quatro ombros. – O cara chegou aqui faz uns dois dias sem memória de nada. Eu acabei deixando ele trabalhar aqui como faxineiro, quem sabe algum dia não passa um conhecido dele por aqui?

            - A colmeia não tem lembrança dele? – Interrogou a mulher mostrando que sabia mais do que deveria sobre a raça do alienígena.

            - Parece que eu sou o primeiro nellug a vê-lo. – Replicou o dono do local virando apenas alguns de seus olhos na direção do homem que estava quieto, sentado em cima de um caixote, como se olhasse para o nada a todo tempo. – Sem memórias desse cara na mente coletiva da minha raça.

            - Qual o nome dele? – Perguntou a moça ainda mais curiosa.

            - O cara não tem chip de identidade implantado, acredita? Estou pagando com chips ao portador, nem conta bancária esse sujeito tem! Um fantasma para todos os efeitos! O nome que ele me deu foi “John”, mas duvido que seja verdade. – Revelou a criatura insectóide apontando com um de seus braços para o poster holográfico que estava atrás de si, onde tinha a imagem da propaganda de um filme em que um homem musculoso segurava uma arma de prótons maior do que ele e tinha o título em letras garrafais: “John Alone em: O Último Contrato da Máfia” – Eu adoro os filmes do John Alone e posso te garantir que o nome do desmemoriado ali não é John. Pelo menos, sabemos que ele sabe ler...

            - Ele pode servir, se você não tiver nada contra. – Disse a ruiva apoiando sua cabeça em uma das mãos.

            - Regras são regras, ninguém é obrigado a aceitar um contrato. Então, se você convencer ele, não sou eu quem vai impedir. – Replicou o alienígena cruzando os braços de cima e esticando o par de baixo em um trejeito comum de sua raça.

            - Sirva dois Rayowakar extrafortes pra gente. – Declarou a moça afastando-se do balcão e seguindo na direção do homem, sentando-se em uma mesa próxima e convidando-o para se unir a ela.

            John se levantou e se aproximou devagar, estranhando o convite, mas, sentando-se por fim. Ele permaneceu calado apenas encarando a jovem a sua frente com uma expressão imóvel em sua face, a ponto de ela só saber que ele estava desperto por ter se movido até ali.

            - Já sonhou em ser um freelancer, senhor John? – Interrogou a ruiva com um ar sorridente demais que logo desapareceu quando nenhuma resposta veio do homem a sua frente. – Eu preciso de alguém para me ajudar com um trabalho fácil, mas que eu pretendo pagar bem.

            - Ele não é de falar muito. – Comentou o bartender insectóide que se aproximou segurando a bandeja em uma das mãos e servindo os dois ao mesmo tempo usando outras duas enquanto simultaneamente anotava com a quarta as bebidas na comanda.

            - Que serviço? – Perguntou John com uma voz grave e imponente que pegou de surpresa os dois.

            - Vou ser honesta. – Disse a mulher tomando um gole de sua bebida enquanto aguardava o bartender sair de perto. – Meu nome é Awelyn e eu tenho uma irmã mais nova chamada de Alyna. Ela é psiônica. Nós duas fomos vendidas como escravas ainda muito novas para a gangue dos Hard-Technos.

            A ruiva fez uma pausa apenas para ver se o nome daquele perigoso e conhecido grupo criminoso iria mudar a expressão do homem a sua frente, mas, para sua surpresa, ele nem sequer moveu um músculo da face, parecendo alheio a tudo que ela dizia.

            - Eu consegui um acordo com o chefe pra sair fora com a minha irmã, mas como ela tem habilidades mentais, eles não querem deixar. Me mandaram conseguir uma coisa bastante valiosa de um grupo rival, tive que matar o líder deles pra conseguir, mas está comigo. – Explicou Awelyn mostrando uma maleta cromada que carregava consigo. – Eu preciso pegar minha irmã dos Hard-Technos e cair fora da cidade, mas acho que eles vão me trair quando eu fizer a entrega, pra poderem ficar com a minha irmã e seus poderes mentais.

            Mais uma vez a contratante esperou reação, mas nada veio, frustrando-a o suficiente para puxar um maço de cigarros e acendê-lo. Sem nada dizer, ela entornou o que faltava de sua bebida alcóolica, vendo que seu interlocutor nem sequer tinha tocado na dele.

            - Enfim, preciso que você faça pose de guarda-costas, só pra eles não acharem que eu estou sozinha nessa. – Disse a garota por fim. – Posso te pagar cinco mil créditos e a promessa de que minha irmã pode usar seus poderes psiônicos para desbloquear as suas memórias perdidas. Ela pode fazer você se lembrar.



Divisória John Freelancer

John havia aceitado o contrato e passou a acompanhar Awelyn como seu guarda-costas enquanto seguiam para o local do encontro. A dupla ia em direção a um dos bairros mais perigosos de Roxfot, onde ficava o território dos Hard-Technos.

            Os dois seguiram por uma rua desolada onde o asfalto era quebradiço e estava completamente sujo de areia, tendo mendigos de várias espécies vestindo roupas maltrapilhas e implorando por ajuda, mas nem aquela tristeza parecia chamar a atenção do homem desmemoriado que seguida caminhando com as mãos no bolso e os óculos no rosto.

            - Você conhece as regras dos freelancers, não? – Indagou a jovem que carregava a maleta cromada junto de si para evitar algum tipo de tentativa de roubo. Ela já estava se acostumando com o jeito do acompanhante e começou a responder sua própria pergunta. – A primeira é que você não é obrigado a aceitar nenhum contrato, mas se o fizer, vai ser obrigado a concluí-lo. A segunda é mais fácil, diz que nenhum contrato pode ser executado dentro de um ­Bar-Freelancer como aquele em que o contratei. Apenas negócios podem ser feitos lá, esses bares são terrenos neutros para todos os freelancers que quiserem frequentar e para todos os contratantes, independente de rivalidades ou quaisquer outras coisas. Todo Bar-Freelancer é comandando por um nellung e eles tem uma espécie de mente coletiva esquisita de inseto que é a única rede de informações nesse planeta que não pode ser hackeada, segundo dizem. Enfim, resumindo, se você esculhambar com essas regras, os nullang queimam teu filme e você nunca mais arruma trabalho em um Bar-Freelancer.

            Eles caminharam juntos em silêncio por mais alguns momentos até que chegaram a uma pequena porta que guiava direto para uma escada até o subsolo, onde um ambiente escuro era iluminado por feixes de neon que mudavam ao som de música eletrônica de batida forte.

            A pequena casa de festas não tinha clientes, apenas os membros da gangue estavam ali, assim como Alyna que tinha sido dopada para não usar seus poderes psiônicos nos captores. A refém estava com mais três bandidos sentada em uma mesa, enquanto o resto cercava a dupla por vários ângulos, de armas em punho. Todos eles pareciam ter substituído grande parte de seus corpos biológicos por próteses mecânicas que variavam das mais brilhosas às mais rústicas com engrenagens à mostra.

            O líder da gangue apareceu por último, com uma escopeta apoiada no ombro, mantendo uma postura intimidadora. O sujeito já tinha sido humano no passado, mas agora era mais máquina do que qualquer outra coisa, possuindo dois braços protéticos cromados e parte da cabeça metálica com um de seus olhos tendo sido substituído por uma mira laser cujo ponto vermelho estava focado no peitoral do guarda-costas de Awelyn.

            - Quem é esse cara?! – Indagou Vihat, o chefe dos Hard-Technos que tinha usado seu olho laser para fazer uma leitura nos chips de identificação do homem, mas não teve retorno, quase como se ele não contivesse nenhum eletrônico em seu corpo.

            - É um freelancer que vai garantir que você não vai furar o acordo! – Rebateu a ruiva de imediato, erguendo um dos braços e mostrando que estava com a mala. – Vamos fazer a troca!

            - Ela está ali. – Afirmou Vihat apontando para a mesa onde três de seus capangas seguravam a jovem psiônica. – Cadê a droga? Quero saber se você trouxe mesmo os Berserkers que tu disse que ia roubar dos babacas dos Urtza!

            John virou a cabeça e viu sua contratante abrir a mala, revelando um monte de vidrinhos com um estranho líquido vermelho em seu interior. Ela pegou uma ampola aleatoriamente e botou no chão, fazendo-a rolar na direção do ciborgue a sua frente.

            Com a tranquilidade de que outras pessoas apontavam armas para a dupla e a refém, Vihat pegou o invólucro do líquido rubro e apertou um botão para destacar uma agulha fina. O líder dos Hard-Technos injetou a droga no pescoço que era uma das poucas partes humanas que ainda possuía e logo seu olho biológico reagiu com a pupila dilatando e a esclera enchendo-se de veias avermelhadas ao mesmo tempo em que abria a sua boca e soltava um urro gutural que mostravam seus dentes metálicos.

            - Caralho! O bagulho é do bom mesmo! – Vociferou o alucinado líder da gangue apontando sua escopeta para a dupla com uma gargalhada. – Só não matem a porra da psiônica!

            Vihat nem parecia estar pensando direito, apenas atirou sua arma enlouquecidamente até ficar sem munição, o que certamente teria matado os dois se John não tivesse os reflexos apurados de um gato, permitindo que ele saltasse por cima de sua cliente e rolasse com ela pelo chão até que os dois pudessem se esconder atrás de uma espeça parede concretada que só parou de receber impactos de bala quando o ciborgue ficou sem munição.

            - É pra matar eles, porra! – Berrou Vihat fazendo com que seus subordinados passassem a atirar também.

            - Ai que merda! Estamos fudidos! – Praguejou Awelyn em desespero, puxando uma pistola de dentro do seu casaco e virando-se para seu guarda-costas com um ar interrogativo. – Você não tem uma arma? Que tipo de pessoa sobrevive em Pikex sem a porra de uma arma?!

            John olhou a sua volta e viu um prato metálico em cima de uma das mesas e o arremessou como se fosse um disco na direção do inimigo mais próximo, mas logo ficou claro que sua força não era compatível com a de um ser humano normal, pois, aquela simples louça havia afundado o crânio do bandido que caiu morto instantaneamente.

            O homem sem memórias rolou pelo chão para se esquivar de mais tiros e pegou a pequena metralhadora magnética do ciborgue morto, disparando-a diversas vezes na direção de seus oponentes até que os tiros cessaram. Para o assombro da ruiva que observava tudo de trás da pilastra, cada um dos tiros foi certeiro no meio da testa dos Hard-Technos que caíram mortos sem nem reação.

            Vihat ficou em pânico e olhou na direção da mesa, onde seus capangas já estavam mortos, correndo para lá e puxando a jovem psiônica para ser sua refém. Ele fez uma lâmina afiada surgir de um de seus braços robóticos e encostou no pescoço dela, deixando correr um filete de sangue que era um lembrete de que ele concretizaria sua ameaça. Alyna ainda estava zonza, mas começou a despertar pela dor do corte, sem saber o que estava acontecendo, apenas ouvindo o tom de bravata de seu proprietário que parecia bem próximo de seu ouvido.

            O freelancer deu dois passos em direção a mesa mais próxima e pegou duas facas que estavam ali, prontamente arremessando as duas. A primeira atingiu o olho humano de Vihat, causando-lhe uma dor tão absurda que ele acabou por largar a refém, enquanto a segunda faca acertou-lhe em cheio a jugular no pescoço, fazendo-o cair no chão ao escorregar em uma poça do próprio sangue que rapidamente se formava.

            A refém soltou um grito e se afastou, sendo prontamente abraçada pela irmã que tinha abandonado a maleta de drogas para trás e correu para segurar a Alyna que ainda parecia bastante desorientada por força dos remédios que tinham usado nela.

            John caminhou até um dos mortos e pegou um rifle de partículas que estava jogado no chão ao lado do cadáver e, com disparos certeiros, destruiu a maleta cromada com as doses de Berserker que estavam em seu interior, largando a poderosa arma no chão logo em seguida como se não fosse nada.

            - O que você fez, seu maluco?! – Protestou a indignada contratante que ainda estava abraçada com a sua irmã. – Tinha pelo menos um milhão de créditos ali!

            - Meu contrato era resgatar sua irmã, não proteger o conteúdo da maleta. – Rebateu John numa das raras vezes que a ruiva o tinha visto dizer algo.

            - Q-quem é você? – Indagou Alyna que finalmente tinha se acalmado, distraindo-se ao ver seu próprio reflexo nos óculos escuros espelhados do homem a sua frente.

            - John... – Respondeu o desmemoriado fazendo uma pausa para pensar. – John Freelancer.

            - Alyna, talvez você possa ajudar esse homem. – Disse Awelyn com um suspiro ainda inconformado com a perda da maleta. – Ele perdeu sua memória, quem sabe você não pode ajudar ele a recuperá-las.

            - Posso tentar... – Resmungou a irmã mais nova com uma voz doce, enquanto colocava dois dedos de uma mão em sua têmpora e os dois da outra na têmpora dele.

            John ficou mudo e imóvel durante todo o tempo necessário, enquanto Alyna se esforçava para expandir sua consciência para dentro do freelancer a fim de localizar memórias há muito perdidas, mas, após alguns momentos de esforço, a psiônica soltou um suspiro derrotado e balançou a cabeça negativamente.

            - Desculpe... – Disse Alyna apertando seus olhos. – É estranho! Não é como se você tivesse perdido as memórias, é como se não tivesse nenhuma mesmo...

            - Meu passado está em outro lugar então. – Afirmou John de forma lacônica, enquanto estendia uma das mãos para sua contratante como se lhe cobrasse algo.

            Awelyn deu a ele um chip com cinco mil créditos ao portador em seu interior e o freelancer guardou, colocando as mãos nos bolsos do sobretudo negro e dando as costas para as duas irmãs sem dizer uma única palavra. Ele caminhou para fora da casa de festas onde tinha matado todos os Hard-Technos da cidade sem aparentar nenhum remorso com relação a isso e cruzou os portões enormes da cidade de Roxfot, desaparecendo ao se aventurar no deserto de Ultun.

            - Que homem esquisito... – Comentou Alyna quando ela e sua irmã finalmente saíram do reduto da gangue, olhando o homem que ia embora calmamente. – Não consigo acreditar que ele sozinho acabou com todos os Hard-Technos! Nem que somos finalmente livres!

            - Livres? Não. Não somos, ainda temos que fugir dos Urtzas de quem eu roubei a mala de Berserkers... – Replicou Awelyn com um pensamento longo. – John Freelancer, um homem sem memórias, nem raízes. Alguém sem um chip de identidade, sem conta no banco e nem nada que o ligue a lugar algum. Tudo que ele tem é a estrada a sua frente. Ele sim, sem dúvidas, é o último homem livre deste planeta perdido...




Continuação Contos de John Freelancer

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